Historia da minha vida

Minha arqui-inimiga

Relato aqui como me tornei uma pessoa tímida, como inconscientemente permiti que ela (timidez) tomasse conta de mim, como ela me limitou, como foi, para mim, conviver com essa insegurança durante tanto tempo. E, finalmente, como foi que dei um basta e a coloquei para correr.
Foram muitos anos desejando ser livre, ser eu mesma, decidir o que queria fazer e não estar sendo freada ou ajustando meus planos por causa desta característica.
Sei que isso me fez muito mal, me tornei retraída, aumentou o medo que tinha, fez com que me sentisse cada vez menor e mais desajustada.
Muitas mulheres sabem do que estou falando, de como a timidez chega devagarinho e parece que vai ganhando espaço pouco a pouco na nossa vida, até o ponto em que nos sentimos reféns dela. Só fazemos o que ela nos permite e isso geralmente vai diminuindo à medida que ela vai ganhando espaço em nós.
Como entregamos tanto poder a um sentimento ao ponto de nos tornarmos escravas dele? É a pergunta que me fiz um tempo atrás, quando comecei a usar a minha inteligência e passei a desejar a minha liberdade.
Eu não tenho uma natureza introvertida, ao contrário, sou muito extrovertida e sempre fora assim. Mas em um momento da minha vida, isso mudou, devagar e sem que eu prestasse atenção no que estava acontecendo.
Por um momento, me senti protegida e tive uma pequena sensação de bem-estar; mas, depois de alguns anos, me senti presa, algemada pela timidez. Já não me sentia bem, pelo contrário, somente perdia à medida que ela se instalava e crescia cada vez mais em mim. Perdi minha autoestima, minha coragem e minhas iniciativas.
Tudo o que desejava parecia estar tão longe e eu queria tanto alcançar, queria tanto fazer, queria tanto falar, queria tanto ser eu mesma, mas não conseguia, só ficava no querer…
Eu obedecia e não sabia nem conseguia enfrentar minha rival, não conseguia falar “não” para ela, que era imensa aos meus olhos e tinha um poder enorme sobre mim. Eu me sentia cada vez menor, não via outra opção a não ser fazer somente o que ela me dizia ou me permitia fazer.
Os meus passos, sorriso, diálogos e iniciativas ficavam à mercê dela, o que me levava a sentir-me horrível, pequena e incapaz. Isso mudou e finalmente consegui minha liberdade; não foi uma tarefa fácil, mas consegui retomar o controle das minhas emoções. A timidez se foi depois de muito tempo! É maravilhoso ser eu novamente, voltar a decidir por mim mesma, falar com quem tenho vontade, deixar de sorrir internamente e lamentar todos os dias em que não falei, não fiz, não abracei, não expressei meu carinho, etc.
A partir de hoje, estarei contando essa minha jornada contra a minha arqui-inimiga.



Minha arqui-inimiga – Infância

Durante a minha infância, passei por muitas situações propícias para me fazer uma pessoa insegura, triste e tímida, mas não foi isso que aconteceu. Minha família era muito pobre e a falta de dinheiro, de boas roupas, de uma boa alimentação era a minha realidade, mas eu não me importava com isso. Os problemas estavam presentes: meus pais brigavam, não nos alimentávamos adequadamente, mas eu só prestava atenção nisso quando estava dentro de casa, pois a maior parte do dia eu estava na escola ou brincando na rua, e nesse período não pensava em nada, só em me divertir; nada do que passava entre as paredes da minha casa passava na minha cabeça, eu queria brincar e somente isso. Ela, minha arqui-inimiga (timidez), aparecia de vez em quando, nos momentos em que eu me sentia desajustada ou diminuída, mas não ficava por muito tempo, pois eu logo arranjava alguma outra ideia para brincar e a ignorava. Assim, ela desaparecia.
Lembro-me de quando brincava de boneca. Minhas amigas tinham lindas bonecas, algumas delas tinham aquela boneca “Meu bebê”, com cheirinho e roupinhas lindas, bonecas com cabelos longos e lindos penteados.
Nos reuníamos sempre à tarde, depois da escola, para brincar, e a brincadeira era trocarmos as bonecas e sermos a mãe de outra que não fosse a nossa.
Aconteceu diversas vezes de, no momento de trocar as bonecas, nenhuma das minhas amigas querer o meu bonecão – não sei se vocês se lembram do antigo bonecão de plástico que era vendido na feira. Ele era inflexível e de olhos pintados com uma tinta muito fraca, que sempre saía facilmente. Recordo que eu sempre pintava o olho todo com caneta azul, ficava realmente assustador!
A cabeça do bonecão tinha somente o formato do cabelo impresso no plástico; e ele vinha com uma fraldinha, também de plástico. Quando minhas amigas viam esse bonecão, não queriam trocar de boneca comigo; e quando isso acontecia, o sentimento de timidez vinha e me fazia sentir envergonhada perante todas elas. Algumas vezes, meus olhos se enchiam de lágrimas, mas logo em seguida – era praticamente imediato – eu reagia, deixava a roda das amigas e ia brincar de outra coisa; com isso, eu me esquecia completamente do que havia acontecido e não ficava nenhum sentimento ruim em mim.
Todas as vezes que me sentia desajustada e diminuída, eu buscava algo que me fizesse sentir bem, onde eu me ajustasse. Era esta a forma que encontrava para reagir à timidez.
Outro momento em que tive que lutar contra ela foi quando minha família se viu em dificuldades financeiras. Eu já tinha entre 10 e 11 anos e não tínhamos muito o que comer em casa, a não ser arroz e feijão; então, eu ia com uma sacola até o final da feira e recolhia todas a frutas, verduras e folhas que ficavam jogadas no chão quando os feirantes saíam. Tudo o que eu recolhia minha mãe aproveitava durante a semana; assim, sempre tínhamos algo diferente para comer junto com arroz e feijão. O que me incomodava era o horário em que eu recolhia as frutas e verduras – geralmente, entre 14h e 15h; nesse horário, todos os meus amigos estavam a caminho da escola, cruzavam justamente a rua da feira. Não tinha jeito! Me encontravam recolhendo os restos que os feirantes haviam deixado.
Isto era motivo de muitos risos e gozação, sem contar os apelidos que eu recebia. No momento em que eu estava na frente de meus amigos, sentindo-me diminuída, “ela” aparecia outra vez, querendo encontrar um espaço para se instalar. Mas, quando eu chegava em casa, minha mãe lavava as frutas, tirava as partes amassadas e víamos todas as delícias que tínhamos para comer, sem contar as verduras deliciosas que ela preparava para o almoço e o jantar! Tudo desaparecia novamente, eu não dava importância a ela, voltava a enfrentar tudo de novo na semana seguinte, pois não deixava que ela me dominasse.
O que eu fazia? Desviava meu pensamento para outra situação e pensava nas delícias que eu ia ter para desfrutar durante a semana.

Minha arqui-inimiga – Adolescência 

Houve um período em que os problemas se tornaram bastante graves. Meu pai tentou matar minha mãe, disparando cinco tiros enquanto ela corria e encontrava um lugar para se esconder. Enquanto vivíamos essa situação em nossa casa, minha professora de português nos orientou a escrever um diário para desenvolver a área de redação. Neste momento, eu comecei a olhar as coisas que aconteciam na minha família, as dificuldades, as brigas… Eu já não conseguia desviar a minha mente e os meus pensamentos; comecei a olhar os problemas que aconteciam. Foi aí que desejei cometer suicídio.
Eu sempre ouvia o meu pai falar que devíamos ter cuidado com os fios do chuveiro, pois era 220 volts e, se tocássemos neles, certamente morreríamos. Comecei a pensar em me matar e deixar uma carta explicando a meu pai que havia feito isso para que ele parasse de tratar minha mãe daquela maneira. Cada vez que estava tomando banho e olhava para aqueles fios, cogitava a ideia.
Essa ideia fixa e grave poderia ter me colocado para baixo e acabado comigo, mas não foi assim. Deixei de alimentar esses pensamentos depois de algum tempo. Era muito fácil me desligar dos problemas e das coisas que aconteciam na minha casa e na minha vida. Pensava em me divertir, brincar, em coisas boas e então me esquecia dos problemas e da timidez. Aconteceram outras situações muitos desagradáveis, mas em nenhum momento eu permiti que a timidez me dominasse, sempre consegui me livrar dela.
Foi na minha adolescência que conheci o Senhor Jesus; já tinha 13 anos quando meus pais chegaram à Igreja. Nossa vida se transformou, conheci meu pai como realmente ele era sem o efeito do álcool. Descobri um pai maravilhoso. Eu participava do grupo jovem e tudo era perfeito, pois eu era sempre muito extrovertida. Passei a ser voluntária para cuidar das crianças, tudo o que me propunha conseguia realizar.
O tempo passou, tive um encontro com Deus e fui levantada a obreira. Na Igreja, eu era cada dia mais intrépida, nada me dava vergonha; ao contrário, tinha uma coragem admirável, não me sentia intimidada diante de nada. E em nenhum momento eu deixava de ser eu, de rir, de falar ou de fazer qualquer coisa; era livre, como se tivesse asas. E em alguns momentos, eu realmente voava.
Depois de alguns anos, casei. Tudo seguia igual, eu seguia livre. Houve um período em que conheci uma mulher. Eu a respeitava e queria muito agradá-la, queria a aprovação dela e fazia de tudo para que ela gostasse de mim; mas essa pessoa não estava bem e todo o tempo em que estive ao seu lado me menosprezou e me diminuiu. Foram nove meses tentando de todas as formas agradá-la, sem sucesso. Cada dia encontrava uma palavra mais dolorosa e negativa.
O problema é que eu não soube usar a minha fé nessa situação. Tentei, mas não o suficiente, deveria ter continuado a olhar para Deus e fazer as coisas para Ele, mas me foquei em agradar e conseguir a aprovação dessa mulher. Queria que ela gostasse de mim e fiz de tudo para conseguir isso, o que foi inútil.

Minha arqui-inimiga – a tentativa

Conheci uma amiga maravilhosa, ela foi uma verdadeira mãe para mim, a dona Cristiane Couto. Vivi em sua casa durante algum tempo e confesso, que inicialmente era extremadamente difícil conseguir falar com ela e o esposo, pois sentia muita vergonha. Só queria ficar lavando louça para evitar ter que falar. Minha mudança começou nesse período. Eu a admirava, pois me tratava bem e nas poucas vezes em que eu falava com a voz tremula, ela escutava com atenção, me orientava, fazendo com que me sentisse muito especial. Foi o inicio da minha mudança. 
Logo depois conheci dona Mônica Bulhões, uma outra grande mulher. Extrovertida, alegre, que não tinha nenhum dos pesos que me sobrecarregavam. Ela representava tudo o que eu desejava ser em uma única pessoa. Extrovertida, ela ria, falava e dizia tão facilmente eu te amo… Tinha iniciativa, não dependia das demais pessoas para avançar, enfim, ela era livre e eu queria isso.
Foi quando consegui dar um segundo passo na luta para me livrar da timidez: comecei a enfrentá-la ainda que devagar, não como eu queria…
Avançava, mas depois de algum tempo, em uma nova situação ou ao conhecer novas pessoas voltava a ficar presa novamente. Lembro-me de um dia em que era aniversário da dona Ester. Eu tinha um enorme carinho por ela e tenho até hoje. Vi que ela estava parada na porta do escritório, da igreja em que eu freqüentava.
Estava ali estava parada, linda, calma e eu a avistei desde o corredor, fui subindo em direção a ela com a intenção de lhe dar um abraço, mas, simplesmente não consegui falar. Continuei subindo o corredor, mas em minha cabeça estava um montão de pensamentos contrários do tipo:
‘Vou dar um abraço nela’, ‘Ai não… e se ela estiver ocupada’, ‘Que vergonha, não tenho nenhum presente para dar”…
E imagine o que aconteceu? Cheguei até onde ela estava, dei um sorriso tímido e continuei caminhando sem ter coragem de dar o abraço que tanto queria, não consegui falar nada!
Mais tarde quando a vi entrando no carro para ir embora, tive vontade de sair correndo e dar o abraço, mas não saí do lugar, contive o impulso e continuei com minhas atividades. É frustrante querer expressar o que sente, falar o que deseja, abraçar, rir ou até mesmo falar “Feliz Aniversário” e não conseguir por causa de um sentimento de timidez. Depois dessa etapa eu consegui avançar um pouco mais, perdi a vergonha de conversar, conseguia fazer novas amigas facilmente, me livrei de diversas coisas que anteriormente me prendiam e me limitavam.

Minha arqui-inimiga – vencida

Há dois anos enfrentei um novo desafio, eliminar o restante da insegurança que eu ainda tinha, e descobri que havia alguns outros pontos que eu tinha dificuldade mas que eu não conhecia, como o falar em público por exemplo.
Foi quando eu conheci o trabalho do grupo Sisterhood, uma das coisas que eu tive que fazer era falar em público, e eu nunca havia feito isso, a não ser na escolinha bíblica da igreja com as crianças. A primeira vez foi muito difícil, segurar o microfone então parecia algo do outro mundo, me fez suar de tanta vergonha.
Eu usava um lindo vestido, estava arrumada e bonita, mas eu era o foco da atenção pois estava lá na frente falando no microfone, em espanhol e tinha todas aquelas pessoas olhando para mim, meu rosto queimava, mas não me intimidei, fiz o que tinha me proposto fazer e Deus esteve ao meu lado todo o momento. Venci também a insegurança nessa área, hoje falar em público já não me intimida.
Comecei a fazer as tarefas que davam suporte e auxílio nessas áreas que eu tinha deficiência, aprendi como lidar com a insegurança, descobri o meu valor, o quão especial eu sou, faz um ano e meio que pertenço ao grupo e acabo de vencer a última etapa que me faltava vencer, ser quem sou sem medo de errar.
Confesso que fracassei em várias tentativas que eu havia tratado anteriormente,  dessa vez eu sabia que havia mudado, mas ainda não havia enfrentado uma situação que sempre me fazia fracassar.
Pedi a Deus que me desse uma outra oportunidade para que eu pudesse demonstrar essa mudança e assegurar para mim mesma que de verdade eu havia mudado e não era somente produto de uma emoção. E assim aconteceu, Deus preparou a oportunidade ideal, até permitiu um elemento surpresa, que se fosse em outro tempo eu haveria retrocedido e me sentido intimidada.
Mas para a minha alegria isso não aconteceu, consegui ser eu, simplesmente eu, Magali da Silva, frente a todas as pessoas, pude falar o que pensava, rir, expor minhas idéias, comer, abraçar apertado, falar eu te amo, sem me sentir intimidada,  sem vergonha, sem medo de errar, muito menos de ser corrigida.
Sabe, foi uma experiência tão gratificante, me sinto tão bem e feliz de haver conseguido vencer algo que me fez tanto mal, que me impediu de fazer mais para o meu Senhor. Agora eu sei quem sou e não me envergonho disso, claro que tenho muitas outras coisas para mudar e seguir avançando, mas a timidez eu coloquei para fora, ela já não tem domínio sobre mim.
O que é muito eficiente e maravilhoso é que eu consegui, em um curto período de tempo, o que anteriormente levaria anos para conseguir. Antes eu conseguia falar, mas por dentro sempre estava o pensamento de inferioridade, medíocre e a insegurança. Agora a mudança foi de dentro para fora, mudaram primeiro os meus pensamentos, entendi e assimilei o meu valor, o quão especial sou para Deus, o quanto Ele quer me usar. Me livrei das minhas inseguranças, minha visão abriu e me deparei com um universo frente aos meus olhos que sei que posso e vou alcançar. Então, depois de tudo isso realizado no meu interior, a mudança e atitudes do meu exterior foram apenas o reflexo do que já havia acontecido dentro de mim.  Isso foi o mais maravilhoso de tudo e foi através das tarefas do grupo Sisterhood que consegui assimilar todo o processo de mudança, foi um treinamento, uma sequência de ensinamentos de forma prática que me auxiliaram e deram suporte para que eu conseguisse essa mudança em um curto período de tempo.
Análise geral
O que percebi com tudo isso foi que durante toda a minha infância e adolescência eu havia conseguido driblar a timidez, pois sempre me desviei dela. Não ficava parada alimentando as ideias que passavam pela minha cabeça, eu desviava os meus pensamentos e a timidez perdia força e desaparecia.
No momento em que parei e fiquei olhando a situação, comecei a me diminuir e ter pena de mim mesma. Não soube defender a minha fé,  deixei com que os pensamentos de inferioridade e os outros falassem na minha cabeça, foi aí nesse momento que  não desviei os pensamentos, eu os aceitei e não me ocupei com outras coisas que fizessem bem para mim. Fiquei parada e esses pensamentos me bombardearam, tomaram espaço em minha mente, perdi o controle e eles passaram a me controlar.
Tudo começou com uma semente ruim que foi plantada no ano de 1995 que brotou e foi crescendo lentamente sem que eu percebesse, depois tomou o controle e quase me sufocou,  mas essa raiz foi arrancada esse ano, em Dezembro de 2011. Agora sei que estou livre dela de uma vez por todas.
De nada adianta só desejar, tem que se trabalhar para lograr o que queremos, não podemos ter pena de nós mesmas, muito menos evitar nos sentir expostas ou em evidência. Temos que sair da nossa zona de conforto e confrontar nossas emoções sem medo de sofrer, só assim conseguimos um resultado positivo e definitivo em um curto período de tempo.
E isso é o que todas queremos não é?
Na fé,
Magali da  Silva